Dra. Elaine de Azevedo - Abordagem Antroposófica das Alergias Alimentares

Introdução
A Medicina Antroposófica, desenvolvida a partir do início do século XX, a partir da Antroposofia3 visa a ampliação da arte médica no tratamento e prevenção de doenças. Sua abordagem soma-se ao conhecimento científico já estabelecido e considera a evolução da consciência do homem moderno, além de reconhecer o ser humano como um ser integrado e utilizar medicamentos sem efeitos colaterais à saúde. Como prática médica, é exercida por profissionais formados em Medicina científica que, posteriormente, realizam a formação determinada pela Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA). As áreas complementares - Farmacopéia Antroposófica, Massagem Rítmica, Nutrição Antroposófica, Eurritmia Curativa, Terapias Artísticas, Reorganização Neurofuncional, Aconselhamento Biográfico, Quirofonética, Odontologia Antroposófica, entre outras - são proposta integradas a Medicina Antroposófica no sentido de individualizar as necessidades terapêuticas do paciente e atingir a cura dentro de propostas terapêuticas que atuam para além do nível físico e biológico do ser humano.

Krause e Mahan (2005) definem alergia como uma reação imunológica adversa a uma substância que é inócua, em quantidade similar, para a maioria das pessoas.

Para os autores, a alergia alimentar é considerada uma hipersensibilidade adquirida do sistema imunológico, uma reação da imunidade e deve ser diferenciada da intolerância alimentar, que pode ser decorrente de uma deficiência enzimática, de um problema digestivo ou de uma reação psicológica.


1 Esse artigo tem base no capitulo Alergias Alimentares, no livro Trofoterapia e Nutracêutica, de Azevedo (2006). 2 Elaine de Azevedo - Nutricionista, especialista em Medicina Antroposófica, mestre em Agroecossistemas(UFSC) e doutoranda em Sociologia Ambiental (UFSC). Docente da Universidade do Sul de Santa Catarina/UNISUL e do Curso de Especialização em Biodinâmica ELO/UNIUBE. Nutricionista clínica e consultora em Alimentos Orgânicos e Qualidade de Vida. Contato: elainepeled@gmail.com 3 Antroposofia é uma ciência espiritual moderna, desenvolvida pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925). Segundo suas raízes lingüísticas, Antroposofia, do grego antrophos, homem, e sophia, sabedoria, siggnifica "sabedoria a respeito do homem". Enquanto ciência baseia-se em teoria e método científicos e como conhecimento espiritual oferece um caminho de compreensão direcionado à consciência espiritual do homem moderno. A Antroposofia, estruturada a partir do Goetheanismo, explora a relação do ser humano com a natureza e o cosmos, oferecendo uma forma de compreensão e resgate dessa relação.

A substância agressora, chamada alérgeno ou antígeno, pode entrar no organismo por ingestão, inalação, contato direto ou infecção. No caso da alergia alimentar o alérgeno, geralmente uma proteína, passa através da mucosa gastrointestinal e é percebido pelo sistema imune quando entra na circulação. Na primeira vez que o antígeno aparece não há resposta alérgica, mas ele estimula a produção de anticorpos, pertencentes a uma ou mais classes de imunoglobulinas. Os anticorpos permanecem ligados às células, ou circulam pelo organismo. Na próxima vez em que o antígeno aparecer na circulação, haverá a formação de um complexo com o seu anticorpo específico e estes complexos poderão agir no soro ou nas células, produzindo os efeitos biológicos de uma reação alérgica (Krause; Mahan, 2005).

A alergia, no contexto da medicina científica, se desenvolveu a partir da visão biológica da medicina moderna, sob o enfoque de cura a partir da eliminação dos agentes externos, sejam eles microorganismos ou agentes ambientais. Dentro dessa visão, o tratamento da alergia se concentra na eliminação dos agentes "agressores" contra os quais o sistema imunológico se torna hipersensível ou na supressão deste estado de hiperatividade.

Para iniciar a discussão sobre alergias na perspectiva antroposófica, ressaltase que o enfoque do tratamento aqui apresentado não é a eliminação dos agentes externos patogênicos nem a supressão da hipersensibilidade do sistema imunológico, mas a promoção de uma resposta adequada de tal sistema no organismo estimulando a imunidade natural.

A questão da imunidade natural

No campo da imunologia já se discute que a melhor maneira de evitar as doenças é equilibrar o sistema imunológico, através da conquista da imunidade natural. Imunização natural é o processo de resistência que se adquire contra bióticos patogênicos depois que esses atravessaram uma série de barreiras de defesa natural do organismo - nariz, garganta, pulmões e trato gastrointestinal. Os que conseguem alcançar a corrente sangüínea são ainda combatidos por outras células do sistema imunológico. Todos os eventos biológicos que acontecem ao longo dessa trajetória são fundamentais à construção da verdadeira imunidade do organismo, que só é alcançada após a total recuperação da doença, quando todo o processo é então gravado na memória das células que dele participaram. Não há dúvida que por alguns dias durante esse processo o indivíduo sofre um mal-estar. Porém, é possível rapidamente superar tal estado, desde que o paciente esteja sob cuidados e possa se desenvolver em um organismo bem nutrido.

Se a saúde for cultivada através de uma boa alimentação e de hábitos de vida saudáveis, o organismo se torna imune à sobrevivência de grande parte dos bióticos patogênicos ou reage a eles de forma mais efetiva. Esta é a base da medicina dos terrenos. Claude Bernard (1813-1878), fisiologista francês, afirmou que "o terreno é tudo". Os microorganismos se fortalecem quando recebem sinais de deterioração do "terreno-organismo". Foi baseado nessa premissa que Alexis Carrel (1873-1944), prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1912, enfatizou que o terreno equilibrado é base para uma vida saudável (Camargo, 2004).

A Medicina moderna priorizou a visão biológica e a ação das drogas, negligenciando o potencial do terreno biológico. O potencial de uma boa nutrição - matéria-prima do "terreno" - foi menosprezado e o sistema imunológico tornou-se um desconhecido (Schwitters, 2000; Camargo, 2004).

A tecnologia dos alimentos, por sua vez, também foca sua ação na destruição dos bióticos patogênicos, através de processos tecnológicos agressivos, cujo objetivo central é tornar os alimentos inócuos e seguros - leia-se também estéreis e desequilibrados. Com tal afirmação, não se deseja minimizar a importância da higienização correta de alimentos e o estudo de microorganismos alimentares patogênicos. Porém, é importante ressaltar que a tecnologia dos alimentos voltada enfaticamente ao controle dos contaminantes biológicos em detrimento da qualidade dos alimentos e do seu valor nutricional precisa ser questionada e não pode colocar em risco a maior fonte de promoção de saúde que nós temos disponível, ou seja, alimentos frescos, integrais e de origem orgânica e biodinâmica.

A visão sistêmica das alergias

De modo geral, as alergias alimentares têm aumentado nos últimos anos e cabe aqui uma discussão que abarque as diversas facetas dos processos chamados de alergênicos, visíveis especialmente em crianças. Primeiramente, pode-se afirmar que não existem alimentos ou substâncias alergênicos, mas pacientes alérgicos. É o paciente que deve ser tratado na sua dificuldade de digerir ou "receber" o que é "de fora e estranho" e metabolizá-lo em "substância própria". A Medicina Antroposófica usa o termo Eu, relacionado a nossa porção espiritual e absolutamente individual e o vincula ao nosso sistema imunológico. É esse sistema imunológico, na perspectiva do Eu, que deve ser fortalecido durante o tratamento da alergia.

Muitos aspectos, inclusive pedagógicos, devem ser levados em consideração nessa abordagem. Traumas emocionais e situações de estresse tornam vulnerável o sistema imunológico das crianças, tornando-as mais suscetíveis às doenças. Práticas de consultório indicam que crianças separadas de suas mães ou precocemente exigidas no seu desenvolvimento intelectual têm maior predisposição a alergias e doenças respiratórias. Suspeita-se que crianças que têm que lidar com situações emocionais estressantes ficam mais vulneráveis e sensíveis às proteínas externas.

Pesquisa de Floistrup e colaboradores (2006), que acompanharam mais de seis mil crianças européias, estudantes de escola Wadorf4, analisa a relação alergia e estilo de vida e mostra que aspectos como o uso de antibióticos e antipiréticos na infância, e a vacinação contra sarampo, rubéola e caxumba estão associados a um aumento no risco de doenças alérgicas nesta fase da vida. Ou seja, medicamentos e vacinas que impedem o organismo de exercitar seu mecanismo de defesa também influenciam na propensão à alergias. Novos estudos que foquem na relação tipo de dieta, origem dos alimentos e alergia poderiam trazer mais clareza ao tema.

Outro fato a ser considerado é que a exposição precoce aos xenobióticos5 da dieta pode levar à predisposição à alergias. As enzimas que desintoxicam tais contaminantes e os sistemas homeostáticos em bebês demoram a alcançar níveis de maturidade e, por isso, eles são mais vulneráveis à ação externa dessas substâncias, que podem exaurir seus sistemas imunológicos protetores, predispondo à alergias (Walker, 1998; Schilter, 1998). Além disso, as doses recomendadas desses xenobióticos são baseadas em peso corporal; isso significa que uma criança de seis meses não pode ingerir a mesma quantidade desses contaminantes do que uma criança de três anos ou um adulto. As IgAs (imunoglobulinas ou anticorpos presentes no soro) intestinais são formadas em torno dos 7 meses. Antes dessa idade, o trato gastrointestinal da criança é mais permeável às substâncias alergênicas (e também de proteínas) da dieta, que podem entrar na circulação e estimular a produção de anticorpos. Simplificando, a ação de contaminantes químicos sintéticos no sistema imunológico imaturo dos bebês pode torná-los mais vulneráveis a processos alergênicos futuros.

4 A Pedagogia Waldorf baseia-se na visão da Antroposofia, e foi concebida por Rudolf Steiner. É baseada num profundo conhecimento do ser humano e prioriza o desenvolvimento integral do indivíduo despertando as diversas capacidades da criança em crescimento: pensamentos claros, sentimentos equilibrados, socialização e força de vontade.
5 Do grego Xenos=estranho; Biótico=relativo à vida. Segundo Vetorazzi (1987), os xenobióticos são contaminantes químicos alimentares: agrotóxicos, aditivos, resíduos de antibióticos e drogas veterinárias, produtos radiolíticos.



Seguindo a lógica acima, a introdução precoce de leites em pó maternizados na dieta da criança, em substituição ao leite materno, pode aumentar a probabilidade de alergias. O aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses, extensivo até pelo menos nove meses, ajuda a formar um sistema imunológico equilibrado. Esse fortalecimento garante a imunidade diante de diversos tipos de doenças e disfunções no organismo.

A acelerada introdução de alguns alimentos como as carnes, os ovos e as leguminosas no primeiro ano de vida também deve ser questionada como prática dietética que visa o suprimento de ferro e proteínas para o desenvolvimento da criança. Como já mencionado, o bebê ainda não apresenta todos os mecanismos imunológicos maduros para se contrapor às proteínas estranhas. A dieta da criança nos primeiros anos de vida (especialmente o primeiro) deveria ser preferencialmente lactovegetariana, de origem integral orgânica e biodinâmica. Apesar de o leite materno ser um alimento pobre em ferro, a sua combinação com os cereais integrais, as folhas verde-escuras, as raízes e os alimentos orgânicos de origem vegetal pode suprir as necessidades dietéticas do bebê durante o primeiro ano de vida. A questão da necessidade de ferro na primeira infância também é tema que precisa ser mais bem compreendido e a perspectiva da Medicina Antroposófica6 pode ajudar essa compreensão.

Outra questão é que uma dieta antialérgica deve ser equilibrada na quantidade de alimentos estimulantes como chocolate, café, refrigerantes, cereais e açúcares refinados, gorduras hidrogenadas e óleos pressurizados a alta temperatura. Esses produtos exaurem a função da adrenal, essencial para a correta digestão de carboidratos, além de estimular um meio propício para a proliferação de Candida albicans. Esse fungo interfere na permeabilidade intestinal, propiciando maior absorção de toxinas e produtos alergênicos.


6 O ferro é o metal que existe em maior abundância no organismo e que caracteriza o domínio do ser humano sobre a terra (tem muitas formas de simbologia, como o uso das armas nas guerras de conquista ou a espada de ferro de heróis míticos). A deficiência de ferro se traduz como um estado de apatia e letargia, próprio de um "processo de desconexão" com o mundo físico. É comum encontrar um estado de prostração e desânimo diante da vida em pacientes com tendência a anemias e quando essas tendências anímicas são superadas a anemia desaparece. Povos vegetarianos, como os antigos hindus, provavelmente vivenciaram tal "estado de desconexão" como uma condição normal de desenvolvimento voltado menos para a terra e mais para o espiritual, o divino. Na visão da Medicina Antroposófica, no primeiro ano de vida e na gravidez essa "desconexão" - dentro de certos limites - é considerada um estado normal que pode beneficiar o desenvolvimento equilibrado da criança e do feto. Pela mesma razão não se orienta o uso de carnes durante o primeiro ano de vida do bebê; para propiciar um domínio dos processos corporais, de forma gradual e plena, além de evitar a ingestão precoce de proteínas que podem sobrecarregar o sistema imunológico da criança.



O fato é que retirar os agentes alergênicos passa a ser somente uma solução paliativa do problema. Muitas crianças hoje vivem em "bolhas" de proteção, morando em ambientes sem carpetes, com móveis e roupas sintéticas e cortinas antialérgicas e comendo alimentos inócuos e desvitalizados. Essas crianças acabam se fragilizando e tornando-se cada vez mais vulneráveis aos agentes alergênicos externos.


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Alimentos e alergia

Qualquer alimento pode produzir uma reação alérgica. Entretanto, a proteína é o nutriente mais problemático na alergia alimentar. Entre os alimentos mais comuns que causam reação alérgica estão o trigo, o leite, os ovos, os peixes, os crustáceos, o morango, o tomate e o chocolate. Outros a se considerar são: a carne de porco, as especiarias, os condimentos, o espinafre, a laranja, os grãos e as oleaginosas (Krause; Mahan, 2005). Esse artigo vai se ater a dois tipos de alimentos considerados alergênicos, o leite e os cereais.

Observa-se nas práticas clínicas que cada vez mais pessoas apresentam dificuldades em digerir o leite, seja seu açúcar (a lactose) ou sua proteína (a caseína).

Sintomas variados como dermatites, cefaléias, aumento de secreções e tendência à rinites alérgicas são encontrados em adultos e crianças que não conseguem digerir bem o leite de vaca.

Nos alimentos relacionados a alergias, pouco se questiona o seu processamento e origem como possíveis causas da disfunção. Um exemplo de tal afirmação é o leite. Antes de pensar nele como um alimento alergênico é importante considerar a desnaturação de suas enzimas e proteínas, a oxidação das gorduras e a perda de vitaminas que ocorrem durante os processos de pasteurização e esterilização dos leites mais comumente disponível hoje. Isso sem mencionar os resíduos de hormônios e drogas veterinárias provenientes da criação animal convencional. Todas essas modificações contribuem para tornar o leite um alimento antinatural, cada vez mais difícil de digerir.

Experiências clínicas demonstram que pacientes com intolerância leve a lactose toleram o leite no seu estado in natura integral, rico em enzimas digestivas e equilibrado em nutrientes, mas não toleram os leites termicamente processados.

A intolerância à lactose, distúrbio que pode ser geneticamente determinado, implica em uma baixa atividade da lactase, enzima que hidrolisa a lactose. É uma disfunção que atinge entre 60 e 70% de pessoas adultas nos Estados Unidos (Fallon; Enig, 1999). A intolerância mais prevalente aparece entre os negros, asiáticos, orientais e sul-americanos do que entre os caucasianos norte-americanos, indicando uma relação antropológica importante.
Abordando-se as questões culturais e geográficas percebe-se que o papel do leite na dieta de indianos e suíços não permite generalizar as restrições dietéticas que os japoneses e chineses preconizam. Esses últimos não consumiram regularmente leite na sua dieta tradicional. Os chineses, por exemplo, recebiam as fontes de proteína animal a partir dos frutos do mar, das algas, dos suínos e das aves, dependendo da sua localização, mais perto da costa ou mais no interior do país. Por outro lado, na Índia, o leite é um alimento base da cultura local e a intolerância a esse alimento é rara nesse país, especialmente entre os indianos descendentes dos arianos, que são tradicionalmente criadores de vacas e lactose tolerants (Tandon et al, 1981). A partir dessa perspectiva, não se pode dizer que o leite é um alimento inadequado ou alergênico para todos os seres humanos.

Percebem-se tendências restritivas do leite nas linhas de alimentação e medicina tradicional provenientes do Japão e China, como a Macrobiótica e a Medicina Tradicional Chinesa. Já a Medicina Ayurvédica, com base no Hinduísmo, não restringe o leite na sua abordagem curativa.

Por causa dessas tendências, muitas pessoas retiram um excelente alimento, natural e equilibrado da sua alimentação e ainda o substituem pelo extrato de soja, produto inadequado para o consumo humano, proveniente de um tipo de processamento agressivo, freqüentemente adicionado de aditivos sintéticos e com a presença de inúmeros fatores anti-nutricionais7.

As crianças são freqüentemente afetadas pela disfunção e o contexto do estilo de vida contemporâneo ao qual as crianças são expostas pode explicar tal suscetibilidade. Percebe-se também que o idoso naturalmente desenvolve um tipo fisiológico de intolerância à lactose, que pode ser indicativa da necessidade de restrição de leite à medida que envelhecemos, como um processo natural. O estudo da biografia humana, em autores como Burkhard (2001) e Lievegoed (1999), na perspectiva da Medicina Antroposófica, pode explicar tais tendências quando considera o leite como alimento arquetípico da criança no seu processo de encarnação. Nessa perspectiva, o idoso pode gradativamente prescindir desse alimento ou usá-lo esporadicamente, na forma de fermentados (iogurte, ricota, kefir).

As intolerâncias aos cereais são cada vez mais conhecidas. Parte da população tem dificuldade em digerir cereais e a forma mais comum dessa disfunção é a intolerância ao glúten, proteína encontrada no trigo. Essa intolerância é denominada de doença celíaca, também conhecida como "espru celíaco". É uma condição inflamatória do intestino delgado, de origem genética, precipitada pela ingestão de uma proteína insolúvel, o glúten, encontrada no trigo, centeio e cevada. Uma teoria explica que a doença ocorre devido a uma anormalidade enzimática nas células mucosas que falham na digestão do peptídeo tóxico contido na fração gliadina do glúten. Outras teorias estabelecem que a reação ao glúten é um defeito na imunidade ou na membrana das células da mucosa e permite a ação do glúten como agente citotóxico. (Krause; Mahan, 2005).

7 Para aprofundar questões sobre problemas relacionados ao consume da soja para o ser
humano, indica-se Azevedo (2005).



O paciente com doença celíaca pode ter sintomas severos, tais como fraqueza, anemia, diarréia e perda de peso. A perda de peso indica um comprometimento importante da superfície da absorção intestinal, envolvendo grande parte do intestino delgado. Outras manifestações da doença celíaca incluem osteoporose, tetania e, raramente, desordens neurológicas. A sensibilidade ao glúten também pode manifestar-se como bolhas, vermelhidão ou estrias avermelhadas nas superfícies extensoras do corpo (dermatite herpetiforme). A remoção do glúten da dieta dos indivíduos com doença celíaca ou sensibilidade ao glúten resulta em regeneração da superfície absortiva intestinal, além de resolução dos sintomas na maioria dos pacientes.

A aveia, apesar de não conter glúten, é retirada da dieta do celíaco, por precaução. A causa é que pode haver mistura da aveia com o trigo, durante a colheita e processo de refinamento e industrialização dos grãos.

Orienta-se evitar o consumo de flocos e farinhas de aveia, especialmente para os celíacos altamente sensíveis.

Entretanto, se a fonte for segura (aveia proveniente de um moinho exclusivo para processar esse grão) e em caso de grãos inteiros de aveia, o celíaco pode inserir na sua dieta esse cereal de grande importância.
Como em todo tipo de alergia ou intolerância é essencial considerar os fatores culturais, geográficos e étnicos. No caso da doença celíaca, sabe-se que povos ocidentais apresentam maior índice de intolerância ao glúten do que os asiáticos e orientais. O trigo é originário da antiga Mesopotâmia. Os antigos arqueólogos demonstraram que o cultivo do trigo iniciou na região onde estão hoje a Síria, Jordânia, Turquia e Iraque e tal referência leva a crer que os povos do oriente médio se ajustaram melhor ao seu consumo.

Parece que estes últimos apresentam melhor funcionamento do pâncreas e das glândulas salivares, indicando uma maior adaptação do organismo para digerir grãos. A intolerância ao glúten tem sido associada à deficiência de vitamina B6, bem como ao mau funcionamento da adrenal. De qualquer forma, não se conhece alternativa de cura a não ser a isenção de fontes de glúten na dieta, substituindo esses produtos pela farinha de milho e de mandioca e por outras féculas. Outra possibilidade de consumo de carboidratos são os grãos isentos de glúten como o painço, a quinoa e o amaranto.

Ressalta-se que os sintomas da intolerância ao trigo (não ao glúten) - cereal cujo consumo é preponderante no Ocidente - não se restringem aos gastrintentinais.

Em prática de consultório, percebe-se que alguns tipos de dores articulares, enxaqueca e eczemas podem ser o resultado de uma dieta desequilibrada no consumo de trigo. Percebe-se hoje que a preponderância desse cereal ocorre em muitas culturas. No Brasil ele aparece como ingrediente sob várias formas de produtos industrializados (e quase sempre refinado): pizza, macarrão, massas em geral, bolachas, pães, barras de cereais, flocos, salgadinhos, tortas, bolos. A variação dos cereais, bem como o correto preparo e origem integral dos mesmos é essencial para prevenir sintomas de intolerância ao trigo.

De forma geral, é mais fácil prevenir do que curar as alergias. O tratamento sistêmico das alergias consiste em fortalecer esse "terreno-organismo" através de uma alimentação viva, balanceada e rica em alimentos de qualidade, frescos, de origem integral orgânica e biodinâmica, além da importância de considerar os aspectos emocionais das crianças de hoje, sobrecarregadas com atividades intelectuais e privadas da presença dos pais, do contato com a natureza e do brincar criativo. Tais ações podem promover uma resposta adequada do sistema imunológico e fortalecer uma forma de individualidade sadia e equilibrada.


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Bibliografia citada

AZEVEDO, E. Alimentos Orgânicos: ampliando conceitos de saúde humana, social e ambiental. Tubarão: Editora Unisul, 2006.
_____. Trofoterapia e Nutracêutica. Blumenau: Editora Nova Letra, 2007.
BURKHARD, G. Tomar a vida nas próprias mãos. São Paulo: Antroposófica, 2001.
CAMARGO, M.L. Imunidade e Vacinação. Disponível em:
http://www.ipetrans.hpg.ig.com.br/Vacina_Imunidade.htm Acesso em: 1 set 2004.
FALLON, S; ENIG, M.G. Nourishing Traditions. Washington: New Trends Publishing, 1999.
FLOISTRUP H , Swartz J, Bergstrom A, Alm JS, et al Allergic disease and sensitization in Steiner school children. J Allergy Clin Immunol. 2006; 117:59-66.
KRAUSE, M.V; MAHAN, L.K. Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. São Paulo: Rocca, 2005.
LIEVEGOED, B. Fases da Vida. Crises e desenvolvimento da individualidade. São Paulo: Antroposófica, 1999.
SCHILTER, B Avaliação e manejo do perigo dos pesticidas tóxicos na produção de "baby food" e no desenvolvimento de novos produtos. Nestlé Nutrition Workshop Series. Programa Pediátrico.Vevey, Suíça. 1998;44: 38-41.
SCHWITTERS, B. Come Sopravvivere con un Corpo. Roma: Alfa Omega Editrice, 2000
TANDON, R,K; Y. K.;JOSHI, Y.K.; SINGH, D. S.; NARENDRANATHAN, M.;
BALAKRISHNAN, V.; LAL, K. Lactose intolerance in North and South Indians. Am. J. Clin. Nutr. 34: 943-946, 1981.
VETORAZZI G.The importance of toxicology in food science. In: MILLER,K.ed.
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WALKER, R. Avaliação dos níveis aceitáveis de ingestão. Nestlé Nutrition Workshop Series.Programa Pediátrico.Vevey,Suíça, 1998; 44: 21-23.

Fonte: Dra. Elaine de Azevedo
Créditos: NutriçãoSadia. Tecnologia do Blogger.