Porque usar emulsão lipídica parenteral com óleo de peixe em pacientes críticos?


Os ácidos graxos poliinsaturados do tipo ômega-3 (AGPI ômega-3), principalmente aqueles encontrados no óleo de peixe, possuem capacidade de modular favoravelmente as respostas imunológica e inflamatória. Desta maneira, seu uso pode desempenhar importante papel frente à situações clínicas que envolvem ambas as respostas, como é o caso de pacientes críticos.

Sua atuação pode ocorrer por meio de quatro diferentes vias: expressão gênica, sinalização intracelular, organização estrutural da membrana e metabolismo de mediadores lipídicos inflamatórios, os eicosanóides (1).

Por estas diferentes vias imunomoduladoras, os AGPI ômega -3 podem modular a produção de citocinas, proliferação linfocitária, expressão de moléculas de superfície, fagocitose, apoptose e inibição da célula natural killer (NK) e de outras atividades celulares (2).

A ativação de processos inflamatórios, como produção de eicosanóides, citocinas e espécies reativas está diretamente envolvida na doença ou estado crítico. No entanto, apesar desta resposta inflamatória fazer parte naturalmente da defesa do organismo, a produção exacerbada de mediadores inflamatórios pode prejudicar o organismo e agravar o estado clínico do paciente. Na maioria dos pacientes críticos, os mediadores inflamatórios são encontrados em alta concentração e têm sido associados à reduzida evolução clínica (3). Assim, o tipo e a quantidade de lipídeos ofertados a pacientes críticos pode desempenhar importante papel nos parâmetros e evolução clínica (4).

Estudos clínicos e experimentais ainda não conseguiram demonstrar todos os diferentes efeitos das formulações lipídicas disponíveis para uso em nutrição parenteral, entretanto o consenso geral é que os AGPI ômega -3 possuem potencial de diminuir o processo inflamatório (4).

A European Society for Clinical Nutrition and Metabolism – ESPEN – publicou, em agosto, uma diretriz sobre o uso de nutrição parenteral em várias situações clínicas. Dentre diversas recomendações, particularmente sobre o uso de emulsão lipídica em paciente crítico, a recomendação foi (5):

“A adição de EPA (ácido eicosapentaenóico) e DHA (ácido docosahexaenóico) à emulsão lipídica demonstra exercer efeito nas membranas celulares e processos inflamatórios. Emulsão lipídica enriquecida com óleo de peixe provavelmente diminui o tempo de permanência hospitalar em pacientes críticos (5).”

Óleo de peixe intravenoso contendo EPA e DHA resulta em maior proporção de EPA e DHA nas membranas celulares e menor proporção de ácido araquidônico, diminuindo assim a síntese de eicosanóides e citocinas inflamatórias, incluindo fator de necrose tumoral (TNF-alfa) e interleucinas (IL), IL-6 e IL-8 (6).

Em estudo multicêntrico com 661 pacientes, o uso de suplemento de óleo de peixe intravenoso mostrou efeito favorável na sobrevivência, taxa de infecção, necessidade de antibiótico e permanência hospitalar, quando administrado em doses entre 0,1 e 0,2 g/kg/dia (7).

Wichmann e colaboradores em estudo duplo-cego, randomizado e multicêntrico, avaliaram 256 pacientes submetidos à cirurgia abdominal de grande porte e com indicação de nutrição parenteral no pós cirúrgico. O grupo que recebeu emulsão lipídica contendo óleo de peixe, comparado ao grupo com emulsão lipídica a base de óleo de soja, apresentou significativamente menor tempo de permanência hospitalar (17,2 vs 21,9 dias) (8).

O uso de óleo de peixe também demonstrou ser favorável em um estudo randomizado e duplo-cego com 40 pacientes com pancreatite grave. Nutrição parenteral suplementada com emulsão lipídica à base de óleo de peixe diminuiu as citocinas pró-inflamatórias, diminuiu o tempo de terapia de reposição renal e melhorou a capacidade pulmonar. Assim, os autores concluem que o uso de emulsão lipídica com óleo de peixe atenua a resposta sistêmica do organismo frente à pancreatite grave (9).

Desta forma, conclui-se que o uso de emulsão lipídica parenteral com óleo de peixe em pacientes críticos parece ser promissor. Seu uso deve ser considerado, visto que há evidência e recomendações, segundo as diretrizes da ESPEN, que mostram seu efeito favorável na redução do processo inflamatório e diminuição de permanência hospitalar.

Letícia De Nardi Campos
Nutricionista do Ganep Nutrição Humana. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Gastroenterologia da FMUSP. Pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (METANUTRI - LIM 35 - FMUSP). Especialista em Nutrição Clínica pelo GANEP.

Referências:

1. Jump DB. The biochemistry of n-3 polyunsaturated fatty acids. J Biol Chem 2002;277:8755-8.

2. Shaikh SR, Edidin M. Polyunsaturated fatty acids, membrane organization, T cells, and antigen presentation. Am J Clin Nutr 2006;84:1277-89.

3. Waitzberg DL, Torrinhas RS, Jacintho TM. New parenteral lipid emulsions for clinical use. J Parenter Enteral Nutr 2006;30:351–67.

4. Wanten GJA, Calder PC. Immune modulation by parenteral lipid mulsions. Am J Clin Nutr 2007;85:1171–84.

5. Singer P, Berger MM, Van den Berghe G, Biolo G, Calder P, Forbes A,
Griffiths R, Kreyman G, Leverve X, Pichard C. ESPEN Guidelines on Parenteral Nutrition: intensive care. Clin Nutr. 2009;28(4):387-400.

6. Mayer K, Fegbeutel C, Hattar K, et al. Omega-3 vs. omega-6 lipid emulsions exert differential influence on neutrophils in septic shock patients: impact on plasma fatty acids and lipid mediator generation. Intensive Care Med 2003;29:1472–81.

7. Heller AR, Rossler S, Litz RJ, et al. Omega-3 fatty acids improve the diagnosisrelated clinical outcome. Critical Care Med 2006;34:972–9.

8. Wichmann MW, Thul P, Czarnetski HD, Morlion BJ, Kemen M, Jauch KW. Evaluation of clinical safety and beneficial effects of a fish oil containing lipid emulsion (Lipoplus MLF541): data from a prospective randomized multicenter trial. Crit Care Med 2007;35:700–6.

9. Wang X, Li W, Li N, Li J. Omega-3 fatty acids-supplemented parenteral nutrition decreases hyperinflammatory response and attenuates systemic disease sequelae in severe acute pancreatitis: a randomized and controlled study. J Parenter Enteral Nutr 2008;32:236–41.
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