O efeito gafanhoto
Em seu estado de equilíbrio, a natureza parece ter solução para todos os problemas que nos afligem, como o de se livrar de resíduos. As plantas absorvem nutrientes do solo e sintetizam alimento para si e para o restante da cadeia alimentar a partir de carbono atmosférico (CO 2 ), luz e água. Os herbívoros e carnívoros consomem a energia das plantas e decompõem o alimento em elementos simples como CO 2 , água e compostos minerais, que podem ser utilizados pelas plantas para recomeçar tudo outra vez. Restos e raspas são consumidos por vermes, insetos, bactérias e fungos. Só sobram os ossos e dentes que nos permitem reconstituir o passado da biosfera.
Essa é uma grande simplificação, claro, mas aponta para um fato fundamental: o ciclo de matéria é fechado, a matéria muda de forma e lugar, mas nunca desaparece. O ciclo da energia, ao contrário, é aberto, e move o ciclo da matéria como a água do rio move o moinho.
Isso significa que nunca podemos nos livrar totalmente daquilo que lançamos no ambiente, sejam compostos naturais como os metais, que extraímos de depósitos inertes e emitimos para ar, água, solos e, portanto, alimentos, ou as milhares de substâncias sintéticas que inventamos para os mais diversos fins e que acabam sendo lançadas no ambiente, porque... o ciclo da matéria é fechado. Nos preocupamos, com boas razões, com os rejeitos radioativos que levarão séculos para decair, mas esquecemos que o carbono, o chumbo, o arsênico e tantos outros são eternos.
Dispersão de poluentes
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A persistência é um dos principais problemas dos organoclorados e seus produtos de degradação. Anos após seu banimento, continuamos detectando essas substâncias no leite materno humano, em peixes e outros alimentos, mesmo em áreas remotas do planeta, porque são resistentes às vias de degradação naturais.
O DDT era considerado uma maravilha tecnológica, até aparecerem os efeitos em aves – em particular sobre a águia calva, símbolo nacional americano –, descritos por Raquel Carsson em seu livro seminal Primavera silenciosa. Silenciosa porque não havia mais aves que a cantassem. Os primeiros estudos sobre a dispersão desses poluentes analisavam amostras de áreas contaminadas, mas, para avaliar os resultados, era preciso compará-los com aqueles obtidos em áreas remotas, onde supostamente as concentrações seriam muito mais baixas.
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A lógica por trás disso é que esses compostos são voláteis e emitidos mais intensamente para a atmosfera em áreas mais quentes. Eles então são transportados pelos ventos e condensam-se em áreas mais frias, depositando-se novamente no ambiente até a próxima oportunidade de volatilização.
Assim, haveria uma destilação global desses poluentes, que iriam se dirigindo aos saltos para as áreas polares ou o topo das montanhas – daí o nome “efeito gafanhoto” que dá titulo a esta coluna. Foi assim que os inseticidas foram parar no Ártico.
Persistência que cruza fronteiras
Os inseticidas domésticos atuais são de baixa persistência e menor toxicidade que o DDT, mas diversos poluentes orgânicos de uso atual continuam pulando fronteiras por aí, sempre na companhia dos poluentes persistentes já banidos, mas que continuam circulando, porque... são persistentes, ora.
Não é a toa que está na moda usar papel reciclado e não branqueado. Derruba menos florestas por ser reciclado e não requer uso de cloro por não ser branqueado. Por que o fato de não adicionar cloro é importante? Porque a combinação de cloro com compostos orgânicos é justamente o que confere a esses produtos poluentes suas características, incluindo a persistência.
No tratamento da água para consumo, por exemplo, adicionamos cloro à água como biocida para controlar infecções. Mas o cloro se combina com a matéria orgânica dissolvida e forma compostos organoclorados “naturais”, que têm em comum com os sintéticos os efeitos neurotóxicos, hepatotóxicos, de disrupção endócrina e cancerização.
Mas esses compostos estão em concentrações muito baixas, assim como todos os demais poluentes da sopa tóxica diluída que inalamos e ingerimos. Então tudo bem, certo?
Não, nada bem. Isso porque muitos poluentes exibem o que chamamos de biomagnificação: o que o ambiente dilui, às vezes a cadeia alimentar concentra. Mas isso é assunto para outra ocasião...
O Natal se aproxima. Não perca o apetite por causa desta coluna. Se a consciência de que o ciclo de matéria é fechado contribuir para moderá-lo, já será um avanço.
Feliz Natal e Ano Novo a todos, por um 2009 com boas novas na área ambiental também.
Jean Remy Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
23/12/2008
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