Papaconicolau
O principal teste para rastrear o câncer do colo do útero apresenta um índice de falsos negativos que pode chegar a mais de 60%. Por isso os médicos alertam: não adianta fazer esse exame a cada 18 meses ou dois anos. Ele só vale se for repetido anualmente com disciplina ferrenha. Entenda por quê.
por VA NESSA DE SÁ
design THIAGO LYRA
foto ALEX SILVA
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Na visita anual ao ginecologista, não há mulher que saia do consultório sem o pedido do exame de papanicolau. No entanto, ele está sob uma saraivada de críticas, disparadas por médicos que duvidam da sua confiabilidade. Ora, até seis em cada dez testes com resultado ok apresentam um falso negativo. Ou seja, afirmam que está tudo bem quando há uma lesão em andamento. “Esses índices variam de local para local e dependem de fatores que vão desde a maneira como a amostra é coletada até a leitura do material”, explica Newton Sérgio de Carvalho, presidente da Comissão Nacional Especializada em Trato Genital Inferior da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Criado em 1940 pelo médico grego George Papanicolaou, radicado nos Estados Unidos, o teste é simples. Consiste na raspagem para coletar células do colo do útero. Elas, então, são transferidas para uma lâmina de vidro, e, em seguida, fixadas e colorizadas para a análise ao microscópio. No entanto, dependendo da interpretação visual e pessoal do técnico que examina a amostra pelo equipamento, células defeituosas provenientes de um câncer podem passar despercebidas. “A tarefa de analisar as amostras é extremamente cansativa”, lembra a farmacêutica Suelene Tavares, da Universidade Federal de Goiás. “O profissional gasta em torno de 15 minutos olhando para cada lâmina”, lembra Suelene. “No final da jornada, a tendência é perder o foco e chegar a conclusões erradas.”
Para o médico brasileiro Eduardo L. Franco, diretor de oncologia da Divisão de Epidemiologia do Câncer da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, os índices de erro seriam aceitáveis se a mulher fizesse o teste todos os anos. “Esse tipo de câncer tem uma progressão muito lenta. Se assumirmos que a taxa de falsos negativos do papanicolau é de 50% e aplicarmos o exame em 100 pacientes com células malignas, descobriremos o tumor inicial em 50 delas, enquanto as outras 50 receberão um resultado falso negativo”, raciocina. “No outro ano, ao aplicarmos o teste de novo, detectaríamos 25 dos 50 casos que escaparam do diagnóstico certeiro no exame anterior. No terceiro ano, só 12 daquelas 100 mulheres doentes ficariam com o resultado verdadeiro.” É uma estimativa fria e horrível quando se fala em câncer de colo uterino. Mas serve para dar uma lição: fazer um papanicolau hoje e só repetir o exame daqui a dois anos é dar chance ao azar.
Médicos e autoridades da Organização Mundial da Saúde, a OMS, vêm buscando alternativas para minimizar o problema e melhorar o rastreamento do tumor cervical, outro nome para o câncer de colo do útero — que, diga-se, é o segundo que mais mata mulheres no mundo. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que, até o fim deste ano, 8 mil pacientes morrerão vítimas da doença. “Pena, afinal ela é uma das poucas que seriam realmente reduzidas ao extremo com um programa de saúde pública e o exame preventivo anual”, diz Paulo Pnaud, coordenador do projeto Vacina HPV, Prevenção e Controle do Câncer de Colo do Útero do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Para a farmacêutica Suelene Tavares, o número de falsos negativos cairia significativamente se o sistema de saúde pública adotasse o pré-escrutínio rápido. “Seria como separar depressa o joio do trigo”, compara ela, que está apresentando o projeto a autoridades em saúde da mulher. “A idéia é bem simples. Em apenas um minuto, um técnico bateria os olhos na lâmina não para observar detalhes das células — o que será feito mais tarde —, mas focando exclusivamente o seu núcleo”, diz ela. “Se, por esse primeiro olhar, suspeitar de alguma anormalidade, passará o caso para a análise de rotina, aquela que leva uns 15 minutos, já acompanhado de um alerta.”
O médico Paulo Pnaud propõe, por sua vez, uma combinação de papanicolau e a inspeção visual com ácido acético (VIA). Um estudo publicado no periódico inglês Lancet deixa evidentes as vantagens desse segundo exame, especialmente em países pobres ou em desenvolvimento, onde a cobertura médica não é efetiva. “O uso da VIA foi capaz de reduzir em 25% a incidência do câncer de colo do útero e em 35% a mortalidade por esse tumor”, aponta Anne Szarewski, do Centro de Epidemiologia, Matemática e Estatística do Instituto Wolfson de Medicina Preventiva, em Londres, na Inglaterra. “A própria OMS vem sugerindo a ação combinada do exame com o vinagre e o do papanicolau”, diz Pnaud.
UMA NOVA PROMESSA
Autoridades de saúde americanas acreditam que a vacina contra o HPV fará o papanicolau perder importância no longo prazo. Dois tipos de papiloma vírus humano, o 16 e o 18, são responsáveis por 70% dos tumores cervicais. “Acreditase que a vacina reduzirá os casos da doença, mas isso só será confirmado com o passar dos anos”, opina Luis Gerk de Azevedo Quadros, da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Nem por isso tudo, fique bem entendido, as mulheres devem deixar de fazer o papanicolau regularmente. Como nenhum exame é 100% eficaz, a segurança vem da união de uma série de medidas preventivas — entre elas, o teste que está na berlinda.
por VA NESSA DE SÁ
design THIAGO LYRA
foto ALEX SILVA
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Na visita anual ao ginecologista, não há mulher que saia do consultório sem o pedido do exame de papanicolau. No entanto, ele está sob uma saraivada de críticas, disparadas por médicos que duvidam da sua confiabilidade. Ora, até seis em cada dez testes com resultado ok apresentam um falso negativo. Ou seja, afirmam que está tudo bem quando há uma lesão em andamento. “Esses índices variam de local para local e dependem de fatores que vão desde a maneira como a amostra é coletada até a leitura do material”, explica Newton Sérgio de Carvalho, presidente da Comissão Nacional Especializada em Trato Genital Inferior da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Criado em 1940 pelo médico grego George Papanicolaou, radicado nos Estados Unidos, o teste é simples. Consiste na raspagem para coletar células do colo do útero. Elas, então, são transferidas para uma lâmina de vidro, e, em seguida, fixadas e colorizadas para a análise ao microscópio. No entanto, dependendo da interpretação visual e pessoal do técnico que examina a amostra pelo equipamento, células defeituosas provenientes de um câncer podem passar despercebidas. “A tarefa de analisar as amostras é extremamente cansativa”, lembra a farmacêutica Suelene Tavares, da Universidade Federal de Goiás. “O profissional gasta em torno de 15 minutos olhando para cada lâmina”, lembra Suelene. “No final da jornada, a tendência é perder o foco e chegar a conclusões erradas.”
Para o médico brasileiro Eduardo L. Franco, diretor de oncologia da Divisão de Epidemiologia do Câncer da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, os índices de erro seriam aceitáveis se a mulher fizesse o teste todos os anos. “Esse tipo de câncer tem uma progressão muito lenta. Se assumirmos que a taxa de falsos negativos do papanicolau é de 50% e aplicarmos o exame em 100 pacientes com células malignas, descobriremos o tumor inicial em 50 delas, enquanto as outras 50 receberão um resultado falso negativo”, raciocina. “No outro ano, ao aplicarmos o teste de novo, detectaríamos 25 dos 50 casos que escaparam do diagnóstico certeiro no exame anterior. No terceiro ano, só 12 daquelas 100 mulheres doentes ficariam com o resultado verdadeiro.” É uma estimativa fria e horrível quando se fala em câncer de colo uterino. Mas serve para dar uma lição: fazer um papanicolau hoje e só repetir o exame daqui a dois anos é dar chance ao azar.
Médicos e autoridades da Organização Mundial da Saúde, a OMS, vêm buscando alternativas para minimizar o problema e melhorar o rastreamento do tumor cervical, outro nome para o câncer de colo do útero — que, diga-se, é o segundo que mais mata mulheres no mundo. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que, até o fim deste ano, 8 mil pacientes morrerão vítimas da doença. “Pena, afinal ela é uma das poucas que seriam realmente reduzidas ao extremo com um programa de saúde pública e o exame preventivo anual”, diz Paulo Pnaud, coordenador do projeto Vacina HPV, Prevenção e Controle do Câncer de Colo do Útero do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Para a farmacêutica Suelene Tavares, o número de falsos negativos cairia significativamente se o sistema de saúde pública adotasse o pré-escrutínio rápido. “Seria como separar depressa o joio do trigo”, compara ela, que está apresentando o projeto a autoridades em saúde da mulher. “A idéia é bem simples. Em apenas um minuto, um técnico bateria os olhos na lâmina não para observar detalhes das células — o que será feito mais tarde —, mas focando exclusivamente o seu núcleo”, diz ela. “Se, por esse primeiro olhar, suspeitar de alguma anormalidade, passará o caso para a análise de rotina, aquela que leva uns 15 minutos, já acompanhado de um alerta.”
O médico Paulo Pnaud propõe, por sua vez, uma combinação de papanicolau e a inspeção visual com ácido acético (VIA). Um estudo publicado no periódico inglês Lancet deixa evidentes as vantagens desse segundo exame, especialmente em países pobres ou em desenvolvimento, onde a cobertura médica não é efetiva. “O uso da VIA foi capaz de reduzir em 25% a incidência do câncer de colo do útero e em 35% a mortalidade por esse tumor”, aponta Anne Szarewski, do Centro de Epidemiologia, Matemática e Estatística do Instituto Wolfson de Medicina Preventiva, em Londres, na Inglaterra. “A própria OMS vem sugerindo a ação combinada do exame com o vinagre e o do papanicolau”, diz Pnaud.
UMA NOVA PROMESSA
Autoridades de saúde americanas acreditam que a vacina contra o HPV fará o papanicolau perder importância no longo prazo. Dois tipos de papiloma vírus humano, o 16 e o 18, são responsáveis por 70% dos tumores cervicais. “Acreditase que a vacina reduzirá os casos da doença, mas isso só será confirmado com o passar dos anos”, opina Luis Gerk de Azevedo Quadros, da Universidade Federal de São Paulo, a Unifesp. Nem por isso tudo, fique bem entendido, as mulheres devem deixar de fazer o papanicolau regularmente. Como nenhum exame é 100% eficaz, a segurança vem da união de uma série de medidas preventivas — entre elas, o teste que está na berlinda.
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