Anemia Megaloblástica
"A anemia megaloblástica é um distúrbio pouco comum e costuma estar relacionada à hipovitaminoses ou doenças gastrintestinais. O efeito megaloblástico caracteriza-se por uma anemia macrocítica não-regenerativa com imaturidade nuclear. A causa mais comum é a deficiência de vitamina B12 (cobalamina) e ácido fólico. Outras etiologias menos comuns incluem o uso de inibidores metabólicos, tais como o metotrexato e a 6-mercaptopurina, e certos erros inatos do metabolismo, tais como a síndrome de Lesch-Nyhan e a acidúria hereditária".
Introdução
Não existem dados estatísticos confiáveis quanto à incidência da anemia megaloblástica e ela parece ser relativamente rara. O distúrbio não possui predileção por raça ou sexo, mas é um pouco mais comum em bebês amamentados por mães com deficiência de vitamina B12 ou crianças com deficiência congênita de proteínas carreadoras de vitamina B12 ou ácido fólico. Apesar da hipovitaminose de B12 ser clinicamente bem diferente da deficiência de ácido fólico, não existem alterações hematológicas capazes de distinguir um distúrbio do outro.
A deficiência de vitamina B12 pode ser causada pela baixa ingestão, pelo comprometimento da absorção (p.ex.: deficiência de fator intrínseco, pancreatite crônica, parasitoses, enteropatias, etc) ou má-utilização (p.ex.: deficiências enzimáticas congênitas, falta de transcobalamina II, administração de óxido nítrico, etc). A ingestão inadequada é extremamente rara em crianças. Em adultos, a anemia perniciosa é a causa mais comum de anemia megaloblástica.
O ácido fólico está presente em vários grupos de alimentos. Aproximadamente 1/3 da necessidade diária é obtida a partir de grãos e cereais presentes na dieta, outro 1/3 é conseguido a partir dos vegetais, e 1/3 a partir de carnes. As causas de deficiência incluem: baixa ingestão (considerar a possibilidade de alcoolismo), má-absorção (p.ex.: spru tropical, uso de medicamentos a base de sulfa, etc), comprometimento da utilização (p.ex.: uso de antagonistas tais como o metotrexato), aumento do consumo (p.ex.: gestação, infância, hipertireoidismo, doença hemolítica crônica, câncer) ou aumento das perdas (p.ex.: hemodiálise).
A mortalidade e a morbidade relacionadas à anemia megaloblástica dependem da etiologia subjacente. Em muitos pacientes, observa-se toxicidade do sistema nervoso central, com demência e comprometimento funcional da coluna vertebral. Na maioria dos casos, a deficiência de vitamina B12 está na raiz do processo: a disfunção do SNC já foi descrita em pacientes adultos não-anêmicos com hipovitaminose B12.
Exame do Paciente
O registro do padrão alimentar do paciente é essencial. O tipo e a quantidade de alimentos devem ser minuciosamente anotados. No caso de bebês em fase de aleitamento, é importante colher estes dados com referência à mãe.
Durante a anamnese, deve-se pesquisa a antecedentes de síndromes disabsortivas, spru, enterectomias, parasitoses e doença de Crohn. A ausência ou deficiência congênita de proteínas carreadores é uma causa relativamente comum de hipovitaminose B12. Uma vez que estes distúrbios possuem ocorrência familial, a anamnese deve ser estendida a outros membros da família.
Dores ósseas e articulares podem sugerir a presença de leucemia ou alguma outra neoplasia subjacente – e insuficiência medular como causa da anemia. Alguns medicamentos também podem resultar em anemia megaloblástica, tais como metotrexato, anticonvulsivantes e etc.
O exame físico deve enfatizar os achados da anamnese. As alterações mais comuns incluem glossite, estomatite, hiperpigmentação cutânea e perda ponderal. Deve-se estar atento para evidências de anemia, trombocitopenia e neutropenia. A pancitopenia pode ocorrer na anemia megaloblástica, mas deve sempre levantar a possibilidade de neutropenia. Procure por lifadenopatia, hepatosplenomegalia e massas abdominais ou retroperitoneais.
A avaliação neurológica também deve ser detalhada, registrando-se qualquer alteração do status mental ou neurológico. A alteração da sensação vibratória nas extremidades é comum na deficiência de B12.
Exames Complementares
As alterações do hemograma refletem a macrocitose eritrocitária. A contagem diferencial é crucial para excluir a possibilidade de blastos circulantes, que podem ocorrer em pacientes leucêmicos com pancitopenia. A contagem de reticulócitos é importante para avaliar a produção de hemácias.
A bioquímica sanguínea deve incluir dosagem dos níveis de B12, ácido fólico, albumina e creatinina. Em crianças, o mielograma é importante para eliminar a possibilidade de leucemia, mielodisplasia e anemia aplástica.
O teste de Shilling é útil nos pacientes com suspeita de vitamina B12. Ele avalia a presença ou ausência congênita de proteínas carreadoras.
Tratamento
O tratamento da anemia megaloblástica depende do mecanismo subjacente.
Deficiência de ácido fólico
A deficiência de ácido fólico devido insuficiência dietética ou aumento do consumo pode ser tratada com suplementação de folato. A deficiência relacionada ao uso de sulfas ou outros medicamentos com ação antifolato pode ser tratada com suplementação de ácido fólico ou suspensão do uso do medicamento antifolato.
A deficiência de ácido fólico decorrente de spru deve ser tratada com correção do distúrbio subjacente e suplementação de folato.
Deficiência de vitamina B12
O tratamento da deficiência de B12 em geral é mais complexo devido à própria natureza desta hipovitaminose. Os suplementos orais podem devem ser utilizados em altas doses. Em muitos casos, a deficiência de B12 deve ser corrigida com administração parenteral da vitamina.
Nos pacientes com distúrbios congênitos que cursam com deficiência de B12, a suplementação é vitalícia.
Uma vez que a vitamina B12 está presente exclusivamente em produtos de origem animal (carnes), a suplementação é a única saída para pessoas vegetarianas.
Conclusão
A anemia megaloblástica é um distúrbio relativamente raro e decorre da deficiência de ácido fólico ou vitamina B12. O diagnóstico clínico-laboratorial requer um certo nível de suspeição por parte do médico assistente. As complicações neurológicas são comuns e costumam estar relacionadas principalmente à hipovitaminose B12. A deficiência de ácido fólico é fácil de ser tratada que a deficiência de B12. O prognóstico relacionado à anemia megaloblástica depende principalmente da causa subjacente e do grau de aderência do paciente ao tratamento proposto.
PALAVRAS-CHAVE: vitamina B12, cobalamina, ácido fólico, folato, hipovitaminose, leucemia, anemia.
Referências Bibliográficas
1. Chiron R, Dabadie A, Gandemer-Delignieres V, Balencon M, Legall E, Roussey M. Anemia and limping in a vegetarian adolescent. Arch Pediatr. 2001 Jan;8(1):62-5.
2. Klee GG. Cobalamin and folate evaluation: measurement of methylmalonic acid and homocysteine vs vitamin B(12) and folate. Clin Chem. 2000 Aug;46(8 Pt 2):1277-83.
3. McMullin MF, Cuthbert RJ. Transfusion in the management of patients with megaloblastic anaemia. Int J Clin Pract. 1999 Mar;53(2):104-6.
4. Rosner F. Management of megaloblastic anaemia. Lancet. 1997 Jan 11;349(9045):136.
5. Stern SC, Macdonald D, Foadi M. Management of megaloblastic anaemia. Lancet. 1997 Jan 11;349(9045):135-6.
6. Monfort-Gouraud M, Bongiorno A, Le Gall MA, Badoual J. Severe megaloblastic anemia in child breast fed by a vegetarian mother. Ann Pediatr (Paris). 1993 Jan;40(1):28-31.
7. Saraya AK, Gupta MK. Megaloblastic anemia--etiology and management. Indian J Pediatr. 1987 May-Jun;54(3):343-53.
8. Chanarin I. Management of megaloblastic anaemia in the very young. Br J Haematol. 1983 Jan;53(1):1-3.
10. Shojania AM. Physician's management of suspected vitamin B12 deficiency. Can Med Assoc J. 1980 Dec 6;123(11):1127-30.
11. Andres E. Cobalamin deficiency in elderly patients. CMAJ. 2005 Feb 15;172(4):451.
12. Kumar S. Vitamin B12 deficiency presenting with an acute reversible extrapyramidal syndrome. Neurol India. 2004 Dec;52(4):507-9.
13. Aguilar Franco C. Subcutaneous administration of vitamin B12. Aten Primaria. 2004 Nov 30;34(9):509; author reply 509.
14. Wolters M, Strohle A, Hahn A. Cobalamin: a critical vitamin in the elderly. Prev Med. 2004 Dec;39(6):1256-66.
Copyright © 2005 Bibliomed, Inc. 08 de Novembro de 2005
Introdução
Não existem dados estatísticos confiáveis quanto à incidência da anemia megaloblástica e ela parece ser relativamente rara. O distúrbio não possui predileção por raça ou sexo, mas é um pouco mais comum em bebês amamentados por mães com deficiência de vitamina B12 ou crianças com deficiência congênita de proteínas carreadoras de vitamina B12 ou ácido fólico. Apesar da hipovitaminose de B12 ser clinicamente bem diferente da deficiência de ácido fólico, não existem alterações hematológicas capazes de distinguir um distúrbio do outro.
A deficiência de vitamina B12 pode ser causada pela baixa ingestão, pelo comprometimento da absorção (p.ex.: deficiência de fator intrínseco, pancreatite crônica, parasitoses, enteropatias, etc) ou má-utilização (p.ex.: deficiências enzimáticas congênitas, falta de transcobalamina II, administração de óxido nítrico, etc). A ingestão inadequada é extremamente rara em crianças. Em adultos, a anemia perniciosa é a causa mais comum de anemia megaloblástica.
O ácido fólico está presente em vários grupos de alimentos. Aproximadamente 1/3 da necessidade diária é obtida a partir de grãos e cereais presentes na dieta, outro 1/3 é conseguido a partir dos vegetais, e 1/3 a partir de carnes. As causas de deficiência incluem: baixa ingestão (considerar a possibilidade de alcoolismo), má-absorção (p.ex.: spru tropical, uso de medicamentos a base de sulfa, etc), comprometimento da utilização (p.ex.: uso de antagonistas tais como o metotrexato), aumento do consumo (p.ex.: gestação, infância, hipertireoidismo, doença hemolítica crônica, câncer) ou aumento das perdas (p.ex.: hemodiálise).
A mortalidade e a morbidade relacionadas à anemia megaloblástica dependem da etiologia subjacente. Em muitos pacientes, observa-se toxicidade do sistema nervoso central, com demência e comprometimento funcional da coluna vertebral. Na maioria dos casos, a deficiência de vitamina B12 está na raiz do processo: a disfunção do SNC já foi descrita em pacientes adultos não-anêmicos com hipovitaminose B12.
Exame do Paciente
O registro do padrão alimentar do paciente é essencial. O tipo e a quantidade de alimentos devem ser minuciosamente anotados. No caso de bebês em fase de aleitamento, é importante colher estes dados com referência à mãe.
Durante a anamnese, deve-se pesquisa a antecedentes de síndromes disabsortivas, spru, enterectomias, parasitoses e doença de Crohn. A ausência ou deficiência congênita de proteínas carreadores é uma causa relativamente comum de hipovitaminose B12. Uma vez que estes distúrbios possuem ocorrência familial, a anamnese deve ser estendida a outros membros da família.
Dores ósseas e articulares podem sugerir a presença de leucemia ou alguma outra neoplasia subjacente – e insuficiência medular como causa da anemia. Alguns medicamentos também podem resultar em anemia megaloblástica, tais como metotrexato, anticonvulsivantes e etc.
O exame físico deve enfatizar os achados da anamnese. As alterações mais comuns incluem glossite, estomatite, hiperpigmentação cutânea e perda ponderal. Deve-se estar atento para evidências de anemia, trombocitopenia e neutropenia. A pancitopenia pode ocorrer na anemia megaloblástica, mas deve sempre levantar a possibilidade de neutropenia. Procure por lifadenopatia, hepatosplenomegalia e massas abdominais ou retroperitoneais.
A avaliação neurológica também deve ser detalhada, registrando-se qualquer alteração do status mental ou neurológico. A alteração da sensação vibratória nas extremidades é comum na deficiência de B12.
TABELA 1 – PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS DA ANEMIA MEGALOBLÁSTICA | |
• Leucemia Mielocítica Aguda | • Mielofibrose |
As alterações do hemograma refletem a macrocitose eritrocitária. A contagem diferencial é crucial para excluir a possibilidade de blastos circulantes, que podem ocorrer em pacientes leucêmicos com pancitopenia. A contagem de reticulócitos é importante para avaliar a produção de hemácias.
A bioquímica sanguínea deve incluir dosagem dos níveis de B12, ácido fólico, albumina e creatinina. Em crianças, o mielograma é importante para eliminar a possibilidade de leucemia, mielodisplasia e anemia aplástica.
O teste de Shilling é útil nos pacientes com suspeita de vitamina B12. Ele avalia a presença ou ausência congênita de proteínas carreadoras.
Tratamento
O tratamento da anemia megaloblástica depende do mecanismo subjacente.
Deficiência de ácido fólico
A deficiência de ácido fólico devido insuficiência dietética ou aumento do consumo pode ser tratada com suplementação de folato. A deficiência relacionada ao uso de sulfas ou outros medicamentos com ação antifolato pode ser tratada com suplementação de ácido fólico ou suspensão do uso do medicamento antifolato.
A deficiência de ácido fólico decorrente de spru deve ser tratada com correção do distúrbio subjacente e suplementação de folato.
Deficiência de vitamina B12
O tratamento da deficiência de B12 em geral é mais complexo devido à própria natureza desta hipovitaminose. Os suplementos orais podem devem ser utilizados em altas doses. Em muitos casos, a deficiência de B12 deve ser corrigida com administração parenteral da vitamina.
Nos pacientes com distúrbios congênitos que cursam com deficiência de B12, a suplementação é vitalícia.
Uma vez que a vitamina B12 está presente exclusivamente em produtos de origem animal (carnes), a suplementação é a única saída para pessoas vegetarianas.
Conclusão
A anemia megaloblástica é um distúrbio relativamente raro e decorre da deficiência de ácido fólico ou vitamina B12. O diagnóstico clínico-laboratorial requer um certo nível de suspeição por parte do médico assistente. As complicações neurológicas são comuns e costumam estar relacionadas principalmente à hipovitaminose B12. A deficiência de ácido fólico é fácil de ser tratada que a deficiência de B12. O prognóstico relacionado à anemia megaloblástica depende principalmente da causa subjacente e do grau de aderência do paciente ao tratamento proposto.
PALAVRAS-CHAVE: vitamina B12, cobalamina, ácido fólico, folato, hipovitaminose, leucemia, anemia.
Referências Bibliográficas
1. Chiron R, Dabadie A, Gandemer-Delignieres V, Balencon M, Legall E, Roussey M. Anemia and limping in a vegetarian adolescent. Arch Pediatr. 2001 Jan;8(1):62-5.
2. Klee GG. Cobalamin and folate evaluation: measurement of methylmalonic acid and homocysteine vs vitamin B(12) and folate. Clin Chem. 2000 Aug;46(8 Pt 2):1277-83.
3. McMullin MF, Cuthbert RJ. Transfusion in the management of patients with megaloblastic anaemia. Int J Clin Pract. 1999 Mar;53(2):104-6.
4. Rosner F. Management of megaloblastic anaemia. Lancet. 1997 Jan 11;349(9045):136.
5. Stern SC, Macdonald D, Foadi M. Management of megaloblastic anaemia. Lancet. 1997 Jan 11;349(9045):135-6.
6. Monfort-Gouraud M, Bongiorno A, Le Gall MA, Badoual J. Severe megaloblastic anemia in child breast fed by a vegetarian mother. Ann Pediatr (Paris). 1993 Jan;40(1):28-31.
7. Saraya AK, Gupta MK. Megaloblastic anemia--etiology and management. Indian J Pediatr. 1987 May-Jun;54(3):343-53.
8. Chanarin I. Management of megaloblastic anaemia in the very young. Br J Haematol. 1983 Jan;53(1):1-3.
10. Shojania AM. Physician's management of suspected vitamin B12 deficiency. Can Med Assoc J. 1980 Dec 6;123(11):1127-30.
11. Andres E. Cobalamin deficiency in elderly patients. CMAJ. 2005 Feb 15;172(4):451.
12. Kumar S. Vitamin B12 deficiency presenting with an acute reversible extrapyramidal syndrome. Neurol India. 2004 Dec;52(4):507-9.
13. Aguilar Franco C. Subcutaneous administration of vitamin B12. Aten Primaria. 2004 Nov 30;34(9):509; author reply 509.
14. Wolters M, Strohle A, Hahn A. Cobalamin: a critical vitamin in the elderly. Prev Med. 2004 Dec;39(6):1256-66.
Copyright © 2005 Bibliomed, Inc. 08 de Novembro de 2005
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