Alimentos turbinados em xeque


Faltam evidências suficientes de que cumprem o que prometem?


Vinte anos depois da chegada ao mercado mundial de margarinas vitaminadas, iogurtes que dizem melhorar a flora intestinal e barras de cereais com antioxidantes, uma revisão científica em andamento na União Europeia coloca em dúvida os reais benefícios de alimentos industrializados que prometem melhorar a saúde. O trabalho, iniciado há dois anos pela agência que regula alimentos no continente, a EFSA (European Food Safety Authority), aponta que 80% das afirmações de benefícios, chamadas alegações, examinadas até agora não apresentam evidências suficientes de que cumprem o que prometem, segundo dados do órgão regulador. Segundo a agência, os países europeus encaminharam 44 mil alegações de benefícios à saúde, condensadas em cerca 4 mil promessas. Em metade dos casos, os documentos foram devolvidos aos países-membros por falta de dados. Das alegações restantes, cerca de mil já foram avaliadas e a maioria ainda não convenceu os especialistas. Na lista de produtos com avaliação positiva da EFSA estão alimentos industrializados que levam vitaminas e minerais, como os que contêm vitamina D e dizem beneficiar o sistema imunológico, por exemplo. Do outro lado, entre os produtos que não traziam os benefícios prometidos estão os com antioxidantes (substâncias que protegem tecidos contra radicais livres, moléculas destrutivas que ajudam a provocar doenças e o envelhecimento). Também há dúvidas no caso de produtos como iogurtes e leites com probióticos, bactérias que teriam ação benéfica para o intestino.

A revisão científica em curso na União Europeia tem causado protestos da indústria de alimentos, que afirma que a reavaliação prejudica o desenvolvimento de novos produtos mais saudáveis e o próprio mercado.

– A avaliação independente da EFSA nos ajudará a ter certeza de que as alegações de saúde estão corretas e que esses alimentos realmente auxiliam os consumidores a optar por dietas mais saudáveis – defendeu Albert Flynn, que preside o comitê de especialistas responsável pela avaliação, em comunicado divulgado à imprensa.

A falta de estudos clínicos (com seres humanos) que comprovem as alegações das embalagens tem sido o principal problema verificado nas revisões. Muitos dos produtos baseiam suas promessas, como a redução do colesterol e melhora da função intestinal, por exemplo, em pesquisas feitas com animais e pessoas doentes, e não no público saudável. Também nos EUA, os industrializados que se dizem saudáveis estão na mira da FDA (Food and Drug Administration), agência que regula alimentos e remédios no país. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) já discute uma padronização para a aceitação de alegações de saúde em alimentos industrializados.

No Brasil, Anvisa dá ok ao produto

No Brasil, onde o mercado de produtos que prometem o bem-estar ganhou força principalmente após 1999, quando foi regulamentado, todos os industrializados que alegam propriedade funcionais e/ou de saúde têm de ser avaliados e registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O número de alegações aprovadas pelas autoridades brasileiras é menor do que o existente na Europa. Além disso, produtos com benefícios nutricionais que quiserem estampar no rótulo informações como "vitaminado" ou "fonte" de uma vitamina são obrigados a cumprir legislação da agência. Segundo portaria, eles devem fornecer, no mínimo, 15% da ingestão diária recomendada do nutriente a cada 100 gramas de produto. A fiscalização cabe às vigilâncias sanitárias estaduais e municipais.

– Temos indeferido vários pedidos, além de pedirmos estudos clínicos. Há produtos que a União Europeia aprovou, mas nós não – afirmou Antônia Aquino, gerente de produtos especiais da Anvisa.

A agência, porém, não tem relatórios disponíveis sobre o total de pedidos de alimentos funcionais ou com benefícios à saúde que tiveram o registro negado nos últimos anos. Entre os 2.359 pedidos de registro de alimentos (funcionais ou não) feitos em 2007, 20% foram negados. Procurada, a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia) não quis falar da revisão que ocorre na Europa.

– Muitas vezes, como se trata de produtos novos, há pouca literatura científica – afirma Sílvia Cozzolino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição e ex-integrante do comitê da Anvisa que certifica os funcionais. – Até por isso, usamos a expressão "alegação" de propriedades funcionais. Sou fã desses produtos, eles realmente podem ser benéficos, mas precisam ser melhor estudados. O que há de bom é a busca, por parte da indústria, da melhoria da saúde – complementa ela.

Outros cientistas, porém, veem no mercado em expansão um risco para a saúde. Alertam que a ciência da nutrição tem trabalhado para valorizar os nutrientes reconhecidos como bons e adicioná-los a qualquer produto, mesmo aqueles que não são saudáveis no restante da composição, como refrigerantes e salgadinhos. Também afirmam que a ciência da nutrição acaba desconsiderando características individuais e da dieta, que podem influenciar na maneira como os nutrientes são aproveitados pelo organismo. Tudo isso em detrimento de frutas, legumes e verduras.

– A melhor maneira de refrigerantes, salgadinhos e biscoitos venderem mais é fazer alegações de saúde – disse Marion Nestle, professora do Departamento de Nutrição e Estudos Alimentares da Universidade de Nova York.

Fonte: http://www.clicrbs.com.br/
Adaptação: NutriçãoSadia
Créditos: NutriçãoSadia. Tecnologia do Blogger.