Derretidos por manteiga
Chefs de cozinha declaram fidelidade ao ingrediente e descartam o uso da margarina em suas receitas. Entenda por que.
A cozinha francesa tem três segredos: manteiga, manteiga, manteiga. Parece brincadeira, mas a frase, sem autoria reconhecida, tornou-se tão popular quanto consensual. E não apenas entre os entendidos desta especialidade. Chefs de diferentes cozinhas são unânimes em reverenciar as qualidades da manteiga – em detrimento da margarina.
“Na minha cozinha só dá ela”, diz orgulhoso o chef franco-suíço Christophe Besse, do All Seasons, em São Paulo. Ele explica que até a década de 1980, a manteiga era a grande dama das receitas francesas – doces ou salgadas. “Aos poucos, o azeite se popularizou por ser uma gordura mais saudável e roubou um pouco a cena, mas a manteiga continua insubstituível”, completa Christophe.
Molhos clássicos e indeléveis nasceram a partir dela. Temperada com salsinha, conhaque e alho, tornou-se companhia inseparável do escargot. Misturada com ovo, vinagre e estragão, deu origem ao tradicional creme béarnaise. E se tudo isso lhe parece sofisticado demais, basta lembrar-se de fórmulas menos rebuscadas, como a aerada musse de chocolate, massas folhadas, bolos fofos, biscoitos amanteigados ou, para ser ainda mais singelo, um simples pão saído do forno e lambuzado deste creme amarelinho.
O sucesso do ingrediente se deve à sua gordura, vinda da nata de leite batida. Para ser manteiga de verdade, é preciso que o produto contenha, no mínimo, 80% de gordura (o restante se divide entre resíduos sólidos de leite e água). Qualquer valor abaixo disso é pura imitação.
Sim, ela é calórica. E muito. “Mas é essa gordura natural que dá a liga perfeita às massas, além da textura e do sabor completamente diferentes da margarina”, afirma o chef pâtissier Fabiano Marcolini. Antes de abrir a doceria que leva seu nome, em Curitiba, Fabiano viveu oito anos na França, onde estudou gastronomia na École Lenôtre, em Paris. De lá, trouxe a lição: manteiga sempre, margarina, jamais.
Na culinária doméstica, os chefs até afrouxam um pouco o avental e toleram certas concessões. “É compreensível que as pessoas usem a margarina em bolos caseiros”, diz Flavio Federico, da Sódoces, em São Paulo. Para ele, muita gente recusa a manteiga ou por causa de seu gosto mais acentuado ou porque ela sempre foi tida como vilã das dietas. “É uma questão cultural. Aqui, ela não é tão difundida quanto na Europa”, conta Federico. O que não quer dizer que nós, brasileiros, não sabemos produzir boas manteigas. “Há rótulos nacionais que chegam a ter até 86% de gordura, um ótimo padrão”, avalia.
Faça o teste
A proposta é do chef Flavio Federico, da Sódoces. A ideia é mostrar as diferenças de composição, sabor e aroma entre a manteiga e a margarina.
1. Aqueça uma ou duas colheres de manteiga em uma frigideira, sempre em fogo baixo. Aos poucos, a água existente começa a evaporar. Sobram apenas a gordura e a lactose do leite, um tipo de açúcar natural. “Este açúcar vai caramelizar e, consequentemente, mudar a cor e o sabor da manteiga”, explica.
2. Quando estiver corada e borbulhando, retire do fogo e dê um choque térmico para interromper a fervura e não queimar. A manteiga passa a ter um cheiro característico de avelã, o que na cozinha francesa é chamado de beurre noisette – um ótimo molho para acompanhar peixes.
3. Em seguida, em outra frigideira, repita a operação com a margarina. Segundo Federico, toda a complexidade observada no aquecimento da manteiga é impossível de ser obtida com a margarina. “Não há aromas específicos e nem gosto apurado nela, o que deixa a receita menos rica em sabor”, conclui o chef.
Do que é feita uma boa manteiga
Entre os fatores que determinam a qualidade da manteiga, o tipo de leite do qual ela é extraída é fundamental. Quanto mais gordo, melhor é a nata. E melhor é também a sua consistência. “Se estiver quebradiça é porque possui muita água na composição”, afirma a chef Renata Braune, do restaurante francês Chef Rouge, em São Paulo. Para ela, a manteiga deve ser cremosa e homogênea.
O tipo de leite também influencia na cor do produto, mas este não é um fator determinante para avaliar a qualidade. Os tons, que vão do amarelo clarinho ao mais escuro, variam em função da raça do animal e de como ele vive e se alimenta. Mas desconfie: “Manteiga muito amarela pode ser sinal de oxidação da gordura e gosto rançoso”, alerta o chef Raphael Durand Despirite, do restaurante Marcel, em São Paulo.
Mil e uma utilidades
• Os indianos costumam usar a manteiga purificada. Em fogo baixo, ela é coada lentamente até virar um óleo puro. É o ghee.
• Esse procedimento é comum também na cozinha ocidental. É a chamada manteiga clarificada, derretida em fogo lento até que se possa retirar as impurezas (escumas) que ficam na superfície, deixando somente a gordura amarela, mais saudável. É bastante usada em frituras porque demora mais para queimar.
• Também é hábito entre os chefs misturar uma porção de óleo ou azeite à manteiga para retardar o seu ponto de fusão e impedir que queime depressa.
• Receitas salgadas pedem manteigas neutras, sem sal. “É mais fácil corrigir o tempero de um prato na mão. Usando manteiga com sal você não tem muito controle e o resultado pode ser desastroso”, explica o chef Raphael Durand Despirite.
• Receitas doces podem ser feitas com manteigas salgadas. “Dão um sabor especial”, diz a chef Renata Braune.
• Manteigas temperadas são boas pedidas. Que tal uma pasta de azeitonas? Basta bater a manteiga, sem sal, em uma batedeira até que esteja bem aerada. Depois, incorpore azeitonas pretas picadas e siga batendo até ficar homogêneo.
• Evite expor a manteiga à luz e ao calor, pois seu sabor se deteriora muito fácil, podendo oxidar e ficar rançosa. “Melhor mesmo é mantê-la na geladeira”, garante o chef Christophe Besse.
• Congelar pode e é indicado para conservá-la por mais tempo, inclusive as manteigas temperadas.
por: Marcela Besson, iG São Paulo
A cozinha francesa tem três segredos: manteiga, manteiga, manteiga. Parece brincadeira, mas a frase, sem autoria reconhecida, tornou-se tão popular quanto consensual. E não apenas entre os entendidos desta especialidade. Chefs de diferentes cozinhas são unânimes em reverenciar as qualidades da manteiga – em detrimento da margarina.
“Na minha cozinha só dá ela”, diz orgulhoso o chef franco-suíço Christophe Besse, do All Seasons, em São Paulo. Ele explica que até a década de 1980, a manteiga era a grande dama das receitas francesas – doces ou salgadas. “Aos poucos, o azeite se popularizou por ser uma gordura mais saudável e roubou um pouco a cena, mas a manteiga continua insubstituível”, completa Christophe.
Molhos clássicos e indeléveis nasceram a partir dela. Temperada com salsinha, conhaque e alho, tornou-se companhia inseparável do escargot. Misturada com ovo, vinagre e estragão, deu origem ao tradicional creme béarnaise. E se tudo isso lhe parece sofisticado demais, basta lembrar-se de fórmulas menos rebuscadas, como a aerada musse de chocolate, massas folhadas, bolos fofos, biscoitos amanteigados ou, para ser ainda mais singelo, um simples pão saído do forno e lambuzado deste creme amarelinho.
O sucesso do ingrediente se deve à sua gordura, vinda da nata de leite batida. Para ser manteiga de verdade, é preciso que o produto contenha, no mínimo, 80% de gordura (o restante se divide entre resíduos sólidos de leite e água). Qualquer valor abaixo disso é pura imitação.
Sim, ela é calórica. E muito. “Mas é essa gordura natural que dá a liga perfeita às massas, além da textura e do sabor completamente diferentes da margarina”, afirma o chef pâtissier Fabiano Marcolini. Antes de abrir a doceria que leva seu nome, em Curitiba, Fabiano viveu oito anos na França, onde estudou gastronomia na École Lenôtre, em Paris. De lá, trouxe a lição: manteiga sempre, margarina, jamais.
Na culinária doméstica, os chefs até afrouxam um pouco o avental e toleram certas concessões. “É compreensível que as pessoas usem a margarina em bolos caseiros”, diz Flavio Federico, da Sódoces, em São Paulo. Para ele, muita gente recusa a manteiga ou por causa de seu gosto mais acentuado ou porque ela sempre foi tida como vilã das dietas. “É uma questão cultural. Aqui, ela não é tão difundida quanto na Europa”, conta Federico. O que não quer dizer que nós, brasileiros, não sabemos produzir boas manteigas. “Há rótulos nacionais que chegam a ter até 86% de gordura, um ótimo padrão”, avalia.
Faça o teste
A proposta é do chef Flavio Federico, da Sódoces. A ideia é mostrar as diferenças de composição, sabor e aroma entre a manteiga e a margarina.
1. Aqueça uma ou duas colheres de manteiga em uma frigideira, sempre em fogo baixo. Aos poucos, a água existente começa a evaporar. Sobram apenas a gordura e a lactose do leite, um tipo de açúcar natural. “Este açúcar vai caramelizar e, consequentemente, mudar a cor e o sabor da manteiga”, explica.
2. Quando estiver corada e borbulhando, retire do fogo e dê um choque térmico para interromper a fervura e não queimar. A manteiga passa a ter um cheiro característico de avelã, o que na cozinha francesa é chamado de beurre noisette – um ótimo molho para acompanhar peixes.
3. Em seguida, em outra frigideira, repita a operação com a margarina. Segundo Federico, toda a complexidade observada no aquecimento da manteiga é impossível de ser obtida com a margarina. “Não há aromas específicos e nem gosto apurado nela, o que deixa a receita menos rica em sabor”, conclui o chef.
Do que é feita uma boa manteiga
Entre os fatores que determinam a qualidade da manteiga, o tipo de leite do qual ela é extraída é fundamental. Quanto mais gordo, melhor é a nata. E melhor é também a sua consistência. “Se estiver quebradiça é porque possui muita água na composição”, afirma a chef Renata Braune, do restaurante francês Chef Rouge, em São Paulo. Para ela, a manteiga deve ser cremosa e homogênea.
O tipo de leite também influencia na cor do produto, mas este não é um fator determinante para avaliar a qualidade. Os tons, que vão do amarelo clarinho ao mais escuro, variam em função da raça do animal e de como ele vive e se alimenta. Mas desconfie: “Manteiga muito amarela pode ser sinal de oxidação da gordura e gosto rançoso”, alerta o chef Raphael Durand Despirite, do restaurante Marcel, em São Paulo.
Mil e uma utilidades
• Os indianos costumam usar a manteiga purificada. Em fogo baixo, ela é coada lentamente até virar um óleo puro. É o ghee.
• Esse procedimento é comum também na cozinha ocidental. É a chamada manteiga clarificada, derretida em fogo lento até que se possa retirar as impurezas (escumas) que ficam na superfície, deixando somente a gordura amarela, mais saudável. É bastante usada em frituras porque demora mais para queimar.
• Também é hábito entre os chefs misturar uma porção de óleo ou azeite à manteiga para retardar o seu ponto de fusão e impedir que queime depressa.
• Receitas salgadas pedem manteigas neutras, sem sal. “É mais fácil corrigir o tempero de um prato na mão. Usando manteiga com sal você não tem muito controle e o resultado pode ser desastroso”, explica o chef Raphael Durand Despirite.
• Receitas doces podem ser feitas com manteigas salgadas. “Dão um sabor especial”, diz a chef Renata Braune.
• Manteigas temperadas são boas pedidas. Que tal uma pasta de azeitonas? Basta bater a manteiga, sem sal, em uma batedeira até que esteja bem aerada. Depois, incorpore azeitonas pretas picadas e siga batendo até ficar homogêneo.
• Evite expor a manteiga à luz e ao calor, pois seu sabor se deteriora muito fácil, podendo oxidar e ficar rançosa. “Melhor mesmo é mantê-la na geladeira”, garante o chef Christophe Besse.
• Congelar pode e é indicado para conservá-la por mais tempo, inclusive as manteigas temperadas.
por: Marcela Besson, iG São Paulo
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