Gorduras Trans e Seu Impacto Sobre a Saúde

De algum tempo para cá, temos ouvido falar muito a respeito das gorduras trans, a ponto de hoje todos sabermos que as mesmas podem fazer mal à saúde.

Mas, afinal, o que exatamente são as gorduras trans e que males elas podem nos trazer?






A nomenclatura dada a este tipo de gordura se deve à configuração que sua molécula apresenta, como podemos ver na figura a seguir:



Fonte: RAUPP e col., 2009.

Esta denominação só é dada a ácidos graxos (gorduras) insaturadas, ou seja, àquelas que possuem duplas ligações entre carbonos. A grade maioria das gorduras encontradas na natureza tem a configuração cis: os hidrogênios ligados aos carbonos da dupla ligação estão voltados para o mesmo lado. Na configuração trans, ocorre o contrário.

Os ácidos graxos trans não são sintetizados no organismo humano, o que faz com que apenas consigamos os mesmos através da alimentação. Eles são formados fundamentalmente em duas situações: na flora microbiana intestinal de ruminantes, podendo esta gordura estar presente em quantidade insignificante na carne e no leite destes animais; e no processo industrial de hidrogenação parcial (VASCONCELOS e col., 2006).

Este processo ocorre sob presença de uma substância catalisadora, posteriormente retirada, e em temperatura específica, e é utilizado pela indústria de alimentos para, por exemplo, poder empregar gorduras de origem vegetal onde originalmente seriam adicionadas as de origem animal (CHIARA e col., 2002).

Quando os óleos vegetais insaturados, que são líquidos à temperatura ambiente, sofrem o processo de hidrogenação, forma-se uma molécula mais rígida, de cadeia mais linear e com propriedades físicas diferentes, com maior ponto de fusão, e esse óleo se solidifica. A alteração das propriedades físicas e a solidificação conferem ao ácido graxo trans a capacidade de aumentar sabor e crocância, por exemplo, dos alimentos aos quais são adicionados, ou ainda, possibilitam a produção de uma margarina de origem 100% vegetal (CHIARA e col., 2002 VASCONCELOS e col., 2006).

Assim, os ácidos graxos trans podem ser encontrados em óleos vegetais, margarinas duras e algumas cremosas, creme vegetal, gordura vegetal hidrogenada, biscoitos, sorvetes, pães e produtos de padarias, batatas frita, pastelarias, bolos, massas, "snacks", entre outros alimentos (MARTN e col., 2004; VASCONCELOS e col., 2006).

Devido à sua inclusão em uma gama cada vez maior de alimentos, ao longo da última década estes ácidos graxos vêm sendo mais estudados, e os resultados encontrados são bastante preocupantes. As maiores evidências relacionam as gorduras trans com fatores de risco cardiovascular (MOZAFFARIAN e col., 2009).

Os ácidos graxos trans possuem a capacidade de elevar os níveis de LDL-colesterol (colesterol “ruim”) e diminuir os de HDL-colesterol (colesterol “bom”), apresentando, então, um efeito pior sobre os níveis de lipoproteínas sanguíneas do que o das gorduras saturadas, que apenas elevam o LDL-c. O mecanismo de ação ainda não está claro, mas especula-se que as gorduras trans transfiram os ésteres de colesterol do HDL para o LDL, e ainda diminuam a ação dos receptores de LDL, aumentando sua presença na circulação sanguínea. Em comparação com os ácidos graxos mono e poliinsaturados, os trans elevam também os níveis de triglicérides de jejum (CHIARA, 2002; MARTN e col., 2004; MOZAFFARIAN e col., 2009).

Além disso, vários estudos demonstram também a capacidade pró-inflamatória dos ácidos graxos trans, uma vez que elevam os níveis de TNF-α, interleucina-6 (IL-6) e proteína-C reativa (PCR), todos substâncias que facilitam o processo inflamatório e estão aumentadas no nosso organismo quando o mesmo se instala (MOZAFFARIAN e col., 2009).

A associação das propriedades expostas acima é potencialmente perigosa para o sistema cardiovascular por induzir a ocorrência de aterosclerose, doença cardiovascular de maior ocorrência em todo o mundo. O processo de formação da placa aterosclerótica se inicia com a oxidação de moléculas de LDL-c, a qual é facilitada quanto maior for seu nível sanguíneo. A molécula de LDL-c oxidada tem suas propriedades alteradas e de certa forma adere à parede dos vasos, e o sistema imunológico reage a isso promovendo uma reação inflamatória, segundo a qual os macrófagos fagocitam as moléculas “agressoras” e formam as chamadas células espumosas. A interação entre o LDL-c oxidado e as células de defesa do organismo ocorre de maneira contínua, e é facilitada se o processo inflamatório está exacerbado. A partir daí se formam as placas ateroscleróticas, que podem obstruir a passagem sanguínea, tendo como possíveis conseqüências, por exemplo, a trombose, o infarto do miocárdio, e o acidente vascular cerebral, os quais podem levar à morte (CHIARA, 2002; ABDALLA E SENA, 2008).

Piora no quadro de resistência à insulina tem sido mais um efeito atribuído aos ácidos graxos trans, particularmente em indivíduos que apresentam fatores de risco, como a resistência à insulina pré-existente, adiposidade visceral ou sedentarismo, agravando uma situação de Síndrome Metabólica à qual tais indivíduos já estão predispostos (MOZAFFARIAN e col., 2009).

Efeitos menos conhecidos dos ácidos graxos trans estão relacionados com a gestação. Estudos vêm mostrando que a elevada ingestão deste tipo de gordura pela mãe ao longo da gestação pode afetar o desenvolvimento intra-uterino, por inibir a produção de ácidos graxos poliinsaturados araquidônico e docohexaenóico, essenciais ao crescimento e desenvolvimento adequado da função psicomotora. Além disso, as gorduras trans podem aumentar o risco de pré-eclâpsia, uma complicação da gestação caracterizada por elevação da pressão arterial, presença de proteínas na urina, diminuição do volume urinário, entre outros, que traz sérios riscos à mãe e ao bebê (CHIARA, 2002; PERAÇOLI & PARPINELLI, 2005).

Em decorrência da ampla divulgação dos efeitos deletérios dos ácidos graxos trans e da nova legislação da ANVISA que regulamenta a rotulagem de alimentos (ANVISA, 2003), as indústrias de alimentos têm investido cada vez mais no desenvolvimento de produtos que possam substituí-los, em termos de benefícios e viabilidade industriais. O óleo de palma é uma alternativa que vem sendo utilizada, pois preserva características de palatabilidade e conservação dos alimentos. Porém, em comparação aos ácidos graxos mono e poliinsaturados não hidrogenados, o óleo de palma também é nutricionalmente pior (GAGLIARDI e col., 2009).

Por isso, o ideal é fazer escolhas alimentares equilibradas e criteriosas, atentando sempre para os rótulos dos alimentos que consumimos no dia-a-dia.

REFERÊNCIAS

ABDALLA, D.S.P.; SENA, K.C.M. Biomarcadores de peroxidação lipídica na aterosclerose. Rev. Nutr., Campinas, v.21, n.6, p.749-756, nov./dez., 2008.

CHIARA, V.L.; SILVA, R.; JORGE, R.; BRASIL, A.P. Ácidos graxos trans: doenças cardiovasculares e saúde materno-infantil. Rev. Nutr., Campinas, v.15, n.3, p. 341-349, set./dez., 2002.

GAGLIARDI, A.C.M.; MANCINI FILHO, J.; SANTOS, R.D. Perfil nutricional de alimentos com alegação de zero gordura trans. Rev Assoc Med Bras, v.55, n.1, p. 50-53. 2009.

LOTEMBERC, A.M.P. Importância da gordura alimentar na prevenção e no controle de distúrbios metabólicos e da doença cardiovascular. Arq. Bras. Endocrinol. Metab. v.53, n.5; 2009.

MARTIN, C.A.; MATSHUSHITA, M.; SOUZA, N.E. Ácidos graxos trans: implicações nutricionais e fontes na dieta. Rev. Nutr., Campinas, v.17, n.3, p. 361-368, jul./set., 2004.

MOZAFFARIAN, D.; ARO, A.; WILLETT, W.C. Health effects of trans-fatty acids: experimental and observational evidence. European Journal Of Clinical Nutrition, v.63, p.5–21, 2009.

VASCONCELOS COSTA, A.G.; BRESSAN, J.; SABARENSE, C.M. Ácidos Graxos Trans: Alimentos e Efeitos na Saúde.ALAN, v.56, n.1, p.12-21, mar. 2006.

MARTIN, C.A.; MATSHUSHITA, M.; SOUZA, N.E. Ácidos graxos trans: implicações nutricionais e fontes na dieta. Rev. Nutr., Campinas, v.17, n.3, p. 361-368, jul./set., 2004.

PERAÇOLI, J.C.; PARPINELLI, M.A. Síndromes hipertensivas da gestação: identificação de casos graves. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janeiro, v.27, n.10, out. 2005.

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 360, de 23 de dezembro de 2003. Aprova Regulamento Técnico sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados, tornando obrigatória a rotulagem nutricional.

Equipe RGNutri
Imagem Ilustrativa: Donuts - Galeria de yusheng - Flickr
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