Como sobrevivem os microorganismos dentro do alimento lácteo?

A utilização de microorganismos vivos benéficos para a saúde humana, os chamados probióticos, está sendo cada vez mais explorada pelas indústrias alimentícias, uma vez que equilibram a microbiota intestinal quando ingeridos vivos e metabolicamente ativos no intestino (1). Para que os probióticos possam exercer efeito benéfico, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estipulou que a quantidade mínima viável desses microorganismos deve estar entre 108 a 109 unidades formadoras de colônias na recomendação diária do produto pronto para o consumo. A Agência acrescenta que valores menores podem ser aceitos desde que a empresa comprove a eficácia alegada (2).

Sendo assim, é fundamental que as bactérias probióticas presentes nos produtos alimentícios se mantenham vivas e viáveis durante a vida de prateleira até o momento de consumo (3,4). Os produtos mais comumente utilizados como veículos de sobrevivência para as bactérias probióticas são os lacticínios fermentados, como por exemplo, os iogurtes, queijos e leites fermentados (5).

Vários fatores podem afetar a viabilidade das bactérias probióticas. São eles: as cepas utilizadas e a interação entre elas, as condições da cultura, a produção de peróxido de hidrogênio devido ao metabolismo bacteriano, a concentração de ácidos lático e acético, a disponibilidade de nutrientes, os fatores de crescimento e de inibidores de crescimento, a permeabilidade da embalagem na passagem de oxigênio, o nível de inoculação, a temperatura de incubação e o armazenamento, além dos tempos de fermentação e armazenamento (4).

De forma direta ou indireta as principais condições que interferem na sobrevivência das culturas probióticas no período do armazenamento refrigerado são as espécies e cepas utilizadas, a capacidade de acidificação das culturas, a temperatura de armazenamento, a fermentação nos tanques, o tempo de estocagem e o pH do produto (1,6,7).

A escolha das espécies e cepas das bactérias para compor o produto probiótico, deve levar em consideração a resistência das bactérias ao ambiente ácido do aparelho digestório (5,8).


Também deve ser avaliada a espécie da bactéria que será adicionada ao produto fermentado, pois, algumas espécies, mesmo em condições adequadas de refrigeração continuam a fermentar o produto como é o caso, por exemplo, da bactéria L. delbrueckii ssp. bulgaricus. A fermentação excessiva provocada por estas bactérias probióticas provoca o acúmulo de ácidos orgânicos, com conseqüente redução do pH e da viabilidade dos probióticos no produto. Este processo de redução do pH durante o armazenamento refrigerado resulta em processo chamado pós-acidificação, que as indústrias alimentícias tentam evitar para que os efeitos dos probióticos não sejam prejudicados até o momento do consumo (1).

Algumas práticas podem ser adotadas para reduzir a pós-acidificação como, manter o pH acima de 5, aplicar choque térmico no iogurte e usar cepas que apresentem atividade metabólica reduzida de pós-acidificação. Um exemplo destas cepas é a cultura probiótica composta por L. acidophilus e Bifidobacterium sp. juntamente com S. thermophilus sp. Além disso, a redução da temperatura de armazenamento (< 4ºC) e o aumento da capacidade de tamponamento do iogurte, obtidos pela adição de concentrado protéico de soro, também podem contribuir para reduzir a pós-acidificação do iogurte (9).

É importante que o prazo de validade destes produtos lácteos fermentados garantam a manutenção da qualidade do produto, bem como a viabilidade do probiótico. Neste sentido, pesquisadores brasileiros observaram que o período de até 28 dias pode ser considerado ideal para a vida-de-prateleira de bebidas lácteas contendo probiótico (10).

Portanto, é extremamente importante compreender como as bactérias sobrevivem nos produtos probióticos, pois irá garantir a eficácia do mesmo com a ingestão de bactérias probióticas viáveis até o momento de consumo do produto.

Thiago Manzoni Jacintho
Docente da Universidade Nove de Julho - Diretoria da Saúde - Cursos de Farmácia e Bioquímica. Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Biólogo pela Universidade de Mogi das Cruzes.


Referências:
1. Shah NP. Probiotic Bacteria: Selective Enumeration and Survival in Dairy Foods. J Dairy Sci. 2000;83:894–907.
2. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Alimentos com Alegações de Propriedades Funcionais e ou de Saúde, Novos Alimentos/Ingredientes, Substâncias Bioativas e Probióticos. Lista de alegações de propriedades funcionais aprovadas.
3. Saad SMI. Probióticos e prebióticos: o estado da arte. Rev Bras Cienc Farm. 2006;42(1):1-16.
4. Thamer KG, Penna ALB. Effect of whey, suggar and frutooligosacharides on the probiotic lactic acid bacteria population in fermented beverages. Rev Bras Cienc Farm. 2005;41(3):393-400.
5. Vinderola CG, Prosello W, Ghiberto TD, Reinheimer JA. Viability of probiotic (Bifidobacterium, Lactobacillus acidophilus and Lactobacillus casei) and nonprobiotic microflora in Argentinian Fresco cheese. J Dairy Sci. 2000;83(9):1905-11.
6. Zacarchenco PB, Massaguer-ROig S. Avaliação sensorial, microbiológica e de pós-acidificação durante a vida-de-prateleira de leites fermentados contendo Streptococcus thermophilus, Bifidobacterium longum e Lactobacillus acidophilus.
Ciênc Tecnol Aliment. 2004;24(4):386-393.
7. Beal C, Skokanova J, Latrille E, Martin N, Corrieu G. Combined Effects of Culture Conditions and Storage Time on Acidification and Viscosity of Stirred Yogurt. Journal of Dairy Science. 1999;82(4):673-81.
8. Mattila-Sandholm T, Myllärinen P, Crittenden R, Mogensen G, Fondén R, Saarela M. Technological challenges or future probiotic foods. International Dairy Journal. 2002;12(2):173-182.
9. Silva SV. Desenvolvimento de Iogurte Probiótico com Prebiótico. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Rurais Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia dos Alimentos. 2007. p 107.
10. Silvieri K, Oliveira MN. Avaliação da vida de prateleira de bebidas lácteas preparadas com “fat replacers” (Litesse e Dairy-Lo). Ciênc Tecnol Aliment. 2002;22(1):24-31.

Esta matéria foi retirada do site NUTRITOTAL
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